
Por seco e calmo ódio, quero isso mesmo,
este silêncio feito de calor que a cigarra rude torna sensível.
Sensível ?
Não se sente nada. Senão esta dura falta de ópio que amenize.
Quero que isto que é intolerável continue porque quero a eternidade.
Quero esta espera contínua como o canto avermelhado da cigarra,
pois tudo é a morte parada,
é a Eternidade de trilhões de anos das estrelas e da Terra,
é ócio sem desejo, os cães sem ladrar.
É nessa hora que o bem e o mal não existem.
É o perdão súbito, nós que nos alimentávamos com gosto secreto da punição.
Agora é a indiferença de um perdão.
Pois não há mais julgamento.
Não é um perdão que tenha vindo depois de um julgamento.
É a ausência de juiz e condenado.
E não chove, não chove.
Não existe menstruação.
Os ovários são duas pérolas secas.
Vou vos dizer a
verdade: por ódio seco, quero é isto mesmo, e que não chova.
(Clarice Lispector)